Estou eu aqui com ressaca literária após ler o livro As Meninas da escritora paulistana Lygia Fagundes Telles. Apesar de depois da leitura eu ter definido a obra como uma das melhores que já li, confesso que não foi uma leitura fácil, a minha ressaca não provém de uma noitada de leitura ininterrupta, pelo contrário, as doses eram tão fortes que degustei-a tão vagarosamente que demorei mais de uma semana para ler um livro com cerca de 250 páginas por considerar certos capítulos um pouco pesados, o que torna a ressaca ainda pior.
O livro, narrado sempre em primeira pessoa com fluxos de consciência das personagens que por vezes se misturam num mesmo capítulo, traz a tona a introspecção de personagens bem complexas e, por vezes, problemáticas. Mas por que eu gostei tanto de um livro tão tenso como esse? A questão é que tenho queda por livros que mexem comigo, positiva ou negativamente e esse mexeu de todas as formas possíveis, desde meus sentimentos até meu próprio psicológico. Mas bem, vamos por partes, go to the enredo!
A história de todo o livro basicamente gira em torna das três narradoras: Lorena, Lia e Ana Clara (mas por vezes podemos ver a presença de um narrador onisciente), todas universitárias, que moram num pensionato de freiras em São Paulo. É ambientada em torno da ditadura militar, mas esta não é o enfoque principal do texto, embora seja possível se deparar com alguns fatos e depoimentos que funcionam como plano de fundo, Lygia foi muito corajosa e ousada ao publicar tal livro nestas circunstâncias, se não me engano em 1973, quando a censura ainda pairava sobre todos, no livro, inclusive, ainda é possível ter acesso a um depoimento de uma vítima das torturas ocorridas na época, depois descobri que este fora o primeiro relato publicado, isso, somado a escrita e aos tantos assuntos tabus encontrados no livro (masturbação, homossexualidade, liberdade feminina, drogas, etc.) pude perceber que Lygia Fagundes Telles é uma escritora a frente de sua época, antes disso só havia lido o conto de sua autoria Venha ver o pôr do sol, que tem um estilo mais sombrio que também me cativou, mas por descuido meu, acabei não dando continuidade a conhecer as suas obras até esta ser indicada e me fazer querer começar isso a partir de agora.
A personagem mais presente no livro é a Lorena, a estudante de Direito, burguesa, delicada e sonhadora, é muito se comentado sobre a sua virgindade, pois a mesma a guarda para a sua grande paixão, M. N., homem casado e pai de família que a ilude com cartas de amor e com telefonemas que nunca acontecem (alguns fatos ocorridos durante o enredo me fazem questionar a sua existência, mas é uma visão subjetiva, e quem ler irá entender o porquê desta minha teoria, mesmo que não concorde). Lorena, apesar de pensar em coisas muitas vezes encaradas como fúteis, costuma ajudar as amigas, seja com um conselho ou em situações financeiras, já que dinheiro não lhe é problema, mas por vezes essa preocupação chega a ser até controladora, não são raros os momentos em que alguém entra no seu quarto e ela vai logo induzindo a um banho, limpando uma sujeirinha aqui ou ali da roupa do outro ou até colocando a blusa para dentro da calça do visitante, fato muito ocorrido com Lia, nossa segunda personagem meio desleixada, que faz curso de Ciências Sociais, embora falte mais que compareça às aulas. Está sempre envolvida em questões revolucionárias, assim como o seu namorado Miguel, repetidas vezes citado mas ausente devido a alguns problemas. Nunca abre mão de um discurso político, feminista, ou seja qual for o assunto em pauta de seu interesse, é a mais coerente e sensata, diria eu, pois diferente da sonhadora Lorena, que vive no mundo da lua pensando no amante e em casamento com enxurradas de fluxos de consciência de passado-presente, além do seu detalhismo com tudo, os capítulos com a Lia são mais tranquilos e também não chegam nem perto da confusão mental que é ao ler os capítulos com a Ana Clara, a que eu tive mais dificuldade de ler. Ana Clara é a estudante de Psicologia, mas pouco se interessa pelo curso, muito bonita e as vezes um pouco preconceituosa, sua vida se resume a drogas e sonhos com um futuro que lhe garanta riqueza e conforto, tem um noivo rico, mas este também não aparece na história (foi um fato que achei curioso na história, pois as grandes paixões das meninas, embora constantemente citadas, são elementos de segundo plano do qual não se tem contato direto), no entanto, Ana Clara tem um Amante, o contrabandista de drogas, e quase todas as partes do livro que a envolve inclui um diálogo entre eles misturado a lembranças de um passado difícil com a sua mãe.
Muitas pessoas não gostam do final do livro pois incluem atitudes que possam deixar as pessoas incrédulas, mas de certo modo ele transmite uma certa reflexão a respeito das circunstâncias da época, e apesar de ter me deixado mal, não o considero ruim.
Bem, estas são as minhas reflexões e visões a respeito do livro, provavelmente ainda vou passar alguns dias pensando nele, pois ele é desses que faz você ficar refletindo e analisando-o, talvez até surja novos pontos de vista neste processo, mas por enquanto este é o meu parecer. Espero que tenham gostado, e não deixem de comentar!
Obs.: Há uma adaptação do livro para o cinema de 1995 que ainda pretendo ver, fica a dica também para quem se interessar. Comento-o em uma outra oportunidade. ;)
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